No dia 14.12 a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o PL 281/2018, que segue agora para sanção do governador do estado.
O referido projeto dispõe sobre “o consentimento informado e instruções prévias de vontade sobre tratamento de enfermidade em fase terminal de vida” e foi, segundo a jornalista Claudia Collucci inspirado na lei italiana.
Em seu capítulo II dispõe acerca de conceitos.
Vejamos:
Capítulo II Das Definições Artigo 3º – Para o efeito desta Lei, considera-se: I – consentimento informado sobre o processo terminal de vida: a manifestação livre, voluntária e consciente do paciente, em pleno uso de suas faculdades, depois de receber informações adequadas que lhe permita decidir com clareza a respeito do que afeta a sua saúde, de não se submeter a determinados processos em função de suas convicções e valores pessoais; II – cuidados paliativos: o conjunto coordenado de ações destinado a garantia do cuidado integral à saúde de paciente com enfermidade que não responde a tratamentos curativos, sendo necessário o controle da dor e de outros sintomas, assim como assistência psicológica, social e espiritual, hospitalar ou domiciliar, visando preservar a melhor qualidade de vida possível; III – documento com instruções prévias de vontade: Documento realizado pelo paciente, em conjunto ou não com profissionais de saúde, destinado a dispor sobre sua vontade futura em caso de enfermidade que o levem ao processo terminal de vida, para recusar ou aceitar tratamentos, sob todas as suas formas; IV – adequação do esforço terapêutico: conduta terapêutica que mantenha compatibilidade com prognóstico que demonstre a irreversibilidade do fim da vida, quando, então, abandonar terapias que mantem artificialmente a vida, é o mais razoável em relação à dignidade, consistindo em uma boa prática clínica e uma obrigação moral dos profissionais; V – obstinação terapêutica e diagnóstica: Situação terminal de um paciente em decorrência de uma enfermidade irreversível em que se iniciam ou se mantém medidas de suporte vital ou se realizam intervenções sem utilidade clínica real, desproporcional ou extraordinária que unicamente visam prolongar a vida biológica, sem possibilidades reais de melhoras ou recuperação do paciente, consistindo numa má prática clínica e uma falta deontológica; VI – representante: pessoa maior de idade, capaz, que dá seu consentimento para atuar como representante do paciente e que foi designada em documento de instruções prévias de vontade, ou em razão de escolha durante o processo de enfermidade grave, ou ainda em acordo à legislação civil; VII – processo terminal de vida: decorre de uma situação de enfermidade ou de um acidente, da seguinte forma: a) se entende por situação terminal aquela em que o paciente apresenta uma enfermidade avançada, incurável e progressiva, sem possibilidade razoável de resposta a tratamento específico, com prognóstico de vida limitado a semanas ou meses quando deve ser realizada assistência paliativa específica; b) se entende por situação de agonia a fase gradual que precede a morte e que se manifesta clinicamente por uma deterioração física grave, debilidade extrema, transtornos cognitivos e de consciência, dificuldade de ingesta e prognóstico vital de poucos dias. VIII – Prontuário Clínico do Paciente: conjunto de documentos relativos aos processos assistenciais de cada paciente, com a identificação dos médicos e dos demais profissionais com intervenção nesse processo, com o objetivo de obter a máxima integração da documentação clínica de cada paciente no âmbito de cada serviço de saúde público ou privado que permita a construção da história clínica do paciente com o fim de garantir assistência adequada, protegido pelo segredo profissional e todas as demais formas de confidencialidade de dados de proteção do direito à intimidade das pessoas. Parágrafo único – Ambas as definições do inciso VII deste artigo, se aplicam às pessoas que tenham sofrido acidente incompatível com a vida, com a deterioração extrema e graves transtornos.
Nesse ponto, questiono: 1. Por que o projeto não usou o conceito de Cuidados Paliativos da Organização Mundial de Saúde? 2. Por que não usou o conceito de consentimento do PL 5559/16, em tramitação avançada no Congresso Nacional? 3. Quais as bases científicas para o conceito de adequação do esforço terapêutico, obstinação terapêutica e diagnóstica, processo terminal de vida, entre outros?
Dos direitos da pessoa em seu processo de enfermidade terminal Artigo 4º – A pessoa em seu processo de enfermidade terminal tem o direito de receber toda a informação necessária sobre seu diagnóstico e prognóstico, adaptada às suas condições cognitivas e sensoriais, que deve guardar consonância com a sua história clínica como paciente, em acordo às anotações em seu prontuário clínico de saúde. § 1º – A pessoa com diagnóstico de enfermidade irreversível e progressiva com possibilidade de perda progressiva da autonomia ou de vir a falecer em consequência do mal que a acomete, tem o direito de ser informada prontamente sobre a possibilidade de formular instruções prévias de vontade sobre a sua saúde, a fim de lhe garantir tempo para tomada de decisão refletida, de forma antecipada. § 2º – O direito à informação prevista no “caput” deste artigo pode ficar limitada nos casos de grave risco à integridade física ou psíquica da pessoa, devendo o médico responsável anotar em seu prontuário clínico de saúde tal fato, comunicando às pessoas com vínculo de parentesco, de representação, de amizade ou de afeto com o paciente. § 3º – A pessoa tem o direito de receber a informação por escrito sobre o diagnóstico, prognóstico e tratamento relacionado ao seu estado de saúde para obter uma segunda opinião. Artigo 5º – As pessoas menores de idade, na forma da lei, em seu processo de enfermidade terminal, têm o direito de: I – receber informações adaptada à sua idade, maturidade, desenvolvimento intelectual e psicológico, sobre o conjunto de tratamento médico e cuidados paliativos e as perspectivas positivas que estes lhes oferecem; II – ser atendidas de maneira individualizada, e sempre que possível, pela mesma equipe de saúde; III – estar acompanhada o máximo de tempo possível durante sua internação hospitalar pelos pais e mães ou pessoas que as substituam, salvo quando isso puder prejudicar o seu tratamento; IV – manter contato com os pais e mães, ou com as pessoas que os substituam, em momentos de tensão e dificuldades; V – ser hospitalizadas junto com outros menores, evitando-se por todos os meios o compartilhamento com habitação de adultos; VI – a pessoa adulta que representar a menor de idade, somente dará a sua opinião depois de haver escutado a opinião da criança, devendo ser respeitada a pessoa que foi emancipada, na forma da lei, a qual deverá representar a si mesma, desde que o possa fazê-lo; VII – as decisões dos representantes das pessoas menores de idade devem ser tomadas a favor de sua vida e saúde e quando pairar qualquer dúvida ao contrário, deverá ser dado conhecimento à autoridade competente. Artigo 6º – É direito da pessoa em sua fase terminal de vida, o acompanhamento por terceiros, desde que não seja incompatível com o conjunto de medidas necessárias à atenção à sua saúde. Parágrafo único – Deve ser facilitado ao paciente acesso a auxílio espiritual, conforme suas convicções e crenças, sempre e quando as mesmas não interferirem com a atuação da equipe de saúde. Observação: o PL 5559/16 contém disposições sobre o mesma assunto. Por que não usar a terminologia desse, que é um projeto de lei federal?
Do direito à tomada de decisão informada Artigo 7º – A pessoa tem o direito de conhecer toda a informação disponível sobre a sua saúde, durante enfermidade terminal para, em acordo à sua vontade, concordar ou recusar intervenções e tratamentos propostos pelos profissionais de saúde que visem tão somente prolongar sua vida em razão da existência de determinadas tecnologias ou medicamentos paliativos, sem possibilidade de recuperação de sua saúde. Artigo 8º – O direito de concordar ou negar-se a receber uma intervenção ou tratamento, ou a decisão de interrompê-lo, poderá ser feito durante o processo da enfermidade, por si ou por representante livremente escolhido ou familiares, na forma desta lei. Parágrafo único – O consentimento informado ou a negativa esclarecida do paciente, livremente revogável a qualquer tempo, deve ser feito de modo documentado, assinado por si ou por seu representante, devendo essa manifestação do paciente ser anotada em seu prontuário clínico para compor a sua história clínica. Artigo 9º – Quando a critério do médico responsável, a pessoa em tratamento não for capaz de tomar decisões ou o seu estado físico ou psíquico não lhe permita conhecer toda a situação e compreender as informações para dar o seu consentimento de modo esclarecido, sem haver instruções prévias mencionadas no artigo 10 desta Lei, deverá ser observada a seguinte ordem de representação, em acordo aos ditames do Código Civil quanto à capacidade civil: I – a pessoa designada como representante no documento sobre instruções prévias de vontade; II – cônjuge ou companheiro ou companheira; III – os parentes de grau mais próximo, desde que de maior idade; IV – a pessoa que mantém ligação de amizade e afeto com o paciente, de modo reconhecido; V – a pessoa a cargo de sua assistência ou cuidado com a saúde; VI – na ausência de todos os mencionados acima, o médico responsável pelo cuidado do paciente. § 1º – As situações de incapacidade não suprimem o direito de o paciente ser esclarecido e participar do processo de tomada de decisão, conforme for o seu grau de discernimento, tampouco o de deixar de garantir ao seu representante todas as informações necessárias. § 2º – Para apoio à interpretação da vontade do paciente deve ser levado em conta seus desejos prévios formulados no dia a dia de sua vida, em acordo aos seus valores de vida.
Observação: O artigo 8o ignora que em situações em que não haja manifestação do paciente nem escolha de representante o desejo dos familiares pode ir contra ao melhor interesse do paciente. Seria interessante que esse capítulo trouxesse disposições acerca da distanásia, notadamente quando derivar de vontade familiar. O artigo 9o não estabelece nenhum critério para a designação de representante, olvidando-se de potenciais conflitos de interesse que podem surgir o que, na prática, poderá dar margem à judicialização da vontade do paciente.
Das instruções prévias da vontade em saúde Artigo 10 – É garantido a toda pessoa capaz, nos termos da lei, no Estado de São Paulo, o direito de planejar, de modo antecipado, suas decisões ante possíveis hipóteses do que pode lhe ocorrer no decurso de uma enfermidade, mediante instruções prévias a respeito de condutas terapêuticas no momento de privação da manifestação da vontade, deixando expressa suas escolhas sobre consentimento ou recusa em relação a testes diagnósticos, terapias, procedimentos, medicamentos, tratamentos e outras condutas terapêuticas. Parágrafo único – Poderá ser indicado pela pessoa, nas suas instruções prévias de vontade, um seu representante, pessoa capaz na forma da legislação civil, para a tomada de decisão nas ocasiões em que não lhe for possível fazê-lo autonomamente. Artigo 11 – Os profissionais de saúde farão anotar no prontuário clínico do paciente esta informação quando houver, e o exigirão nos casos em que se fizer necessário. Artigo 12 – Quando o médico responsável pelo tratamento divergir da vontade do paciente, deverá ser comunicada à direção do serviço de saúde, que adotará imediatamente as medidas necessária para garantir o respeito, à vontade e dignidade do paciente.
Observação: o projeto andou bem ao usar o termo “instruções prévias”, utilizado na lei espanhola (41/2002), contudo, poderia ter feito uma observação acerca da nomenclatura no artigo 11 afim de uniformizar as disposiçÕes dessa lei com a resolução CFM 1995/2012. Por fim, o artigo 12 é por demais vago o que, na prática, ensejará grandes polêmicas nas instituições de saúde.
Os demais artigos tratam de cuidados paliativos e dos deveres dos profissionais de saúde, bem como da necessidade de acompanhamento da implementação dessa lei no estado.
Observação final: 2018 foi um ano interessante do ponto de vista legislativo para o testamento vital. Nesse ano, foram propostos dois projetos de lei federal sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade e agora, no apagar do ano legislativo, o Estado de São Paulo aprovou uma lei sobre o mesmo tema sem qualquer diálogo com o Congresso Nacional. Parece-me que nossos Poderes não dialogam e quem sai prejudicado são todos nós. É óbvia a relevância dessa lei, bem como de uma lei nacional, contudo, a falta de diálogo com os diversos atores (profissionais de saúde, instituições de saúde, profissionais do Direito) prejudica a implementação desses documentos e o reconhecimento da vontade do paciente. Precisamos, urgentemente, uniformizar as nomenclatura. Precisamos, urgentemente, colocar todos os atores envolvidos para dialogar. Precisamos, urgentemente, de uma lei federal sobre o tema, feita após um amplo debate social.
Por fim, nunca nos esqueçamos: “O Direito é a forma por excelência do discurso atuante, capaz, por sua própria força, de produzir efeitos. Não é demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condição de não se esquecer que ele é feito por este.” Pierre Bourdieu
Abraço,
Luciana.
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