Nossa última entrevista do ano é com a jornalista e antropóloga Camila Appel.Camila é formada em administração de Empresas pela EAESP-FGV e mestre em Antropologia e Desenvolvimento pela London School of Economics (LSE). Em 2009, estudou dramaturgia na New York University e passou a se dedicar à escrita teatral. Escreve romance de ficção científica e tem peças teatrais, com as já encenadas “A Pantera” (2009) e “Véspera” (2011).
É redatora do programa “Conversa com Bial”, da Globo. Desde 2014 assina o blog Morte sem Tabu na página on line da Folha de São Paulo
Sou fã da Camila há algum tempo e considero o blog dela o melhor material jornalístico no Brasil sobre o tema.
Espero que gostem.
PS: Continuem dado sugestões de nomes para eu entrevistar, por favor.
Abraço,
Luciana.
Portal Testamento Vital: Conte-nos a história do blog Morte sem Tabu.
Camila Appel: Diversas inspirações me levaram a propor um blog para falar sobre morte na Folha de S.Paulo. Eu já acompanhei meus pais no hospital em algumas ocasiões e sempre me espantei com a situação das pessoas nas UTIs. É um ambiente frio e solitário, até por uma questão prática, já que a necessidade de esterilização traz o isolamento. O som dos apitos, máquinas sustentando vida. Passei a me questionar se existiria uma alternativa a isso, se era possível morrer de outra forma. Meus pais se recuperaram muito bem, mas eu lembro de observar pacientes em final de vida, seus amigos e familiares, sentir um certo constrangimento no ar, e refletir sobre como o tabu da morte pode ser prejudicial. Aí, eu li um depoimento da atriz Odete Lara que acabou sendo uma frase motivacional para essa minha missão: “a morte será o próximo tabu a ser quebrado na nossa sociedade, depois do sexo”. Passei a pesquisar o tema e, em 2014, lancei o blog na Folha. Nesses três anos, descobri uma realidade surpreendente e conheci pessoas incríveis que dedicam suas vidas aos milhares desdobramentos da fase final da vida.
PTV: Você acha que a morte é realmente um tabu na sociedade brasileira? Por que?
CA: Acho que é sim. Eu precisaria desenvolver uma tese de doutorado em história e antropologia para entender o porquê. Mas consigo pensar em alguns caminhos… Tenho a impressão de que a cultura latina, de uma forma geral, vê a morte como um mau agouro, como se falarmos sobre morte pudessemos atraí-la. Esse mau agouro pode ser um legado das principais religiões monoteístas (cristianismo, islamismo e judaísmo), que imaginam haver um julgamento quando morremos. Nesse julgamento, somos condenados ao inferno ou ao paraíso, de acordo com atos morais, ou amorais, que cometemos ao longo da vida. Essa visão gera um fardo muito grande e pode ter contribuir para o tabu.
PTV: Qual o assunto que mais causa polêmica no seu blog?
CA: Suícidio, depressão pós-parto, eutanásia e suícidio assistido. Falar em ajuda médica para morrer é sempre um ponto delicado. Talvez, uma das maiores polêmicas tenha sido “pena de morte”. Sou contra a pena de morte e recebi muitas mensagens agressivas por causa disso, em uma ocasião em que esse tema estava em evidência.
PTV: Tem algum assunto que você quis tratar no seu blog mas ainda não fez por medo da opinião do público?
CA: Não. Eu falo sobre tudo. O medo da opinião do público só me motiva a seguir em frente com a publicação.
PTV: Qual é a sua opinião sobre o testamento vital? Você recebe notícias de leitores que já tenham feito?
CA: O testamento vital é um instrumento que pode ser muito útil. Ele pode ajudar a iniciar uma conversa, tanto com os profissionais de saúde como com a família. Tenho a impressão de que estamos progredindo. As pessoas passaram a se interessar e buscar entender o que é e para que serve um testamento vital. Esse interesse surge de um movimento importante, da busca por maior autonomia. É um empoderamento de cada um sobre seu próprio corpo. Há uma demanda crescente por saber quais são nossos direitos no final da vida.
PTV: Fique à vontade para falar algo que entender importante para os leitores do nosso portal.
CA: Acho importante ressaltar que não há uma forma “correta” de fazer um testamento vital, assim como não há uma forma “correta” de morrer. Você pode optar por prolongar a vida ao máximo, usar todo o apoio que a tecnologia tem a proporcionar. Você pode, também, tentar um caminho mais natural, menos invasivo, minimizando o número de exames, por exemplo. Você pode querer morrer em casa, ao lado dos familiares, ou você pode querer morrer em um hospital, para não ser um fardo, se achar que estar em casa nesse momento não faria bem a seu núcleo familiar. Acho isso importante, não há dogmas nem paradigmas. Cada um saberá qual é o caminho que melhor o represente e esteja alinhado com a vida que decidiu ter. O importante é ter um leque de escolhas e falar abertamente sobre elas.
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