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Entrevista: Ismael Cristo – depoimento pessoal

Atualizado: 27 de jan. de 2021

Boa tarde.

Sei que estou devendo as entrevistas mensais, mas a correria não tem deixado e eu tenho cada vez mais me preocupado com o conteúdo das entrevistas, para que estejam em sintonia com o trabalho ético que eu sempre fiz.

Tomei conhecimento da história do entrevistado desse mês pelas redes sociais e o convidei a dividir sua experiência com vocês. O Ismael Cristo é advogado, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP e professor em programas de pós graduação e graduação em Direito no país, mas aqui ele nos contará um pouco sobre sua experiência pessoal.

Espero que gostem e, por favor, indiquem nomes para serem entrevistados.

Abraço,

Luciana.

Portal Testamento Vital: Como você tomou conhecimento da existência do testamento vital?

Ismael Cristo: Trabalho com a advocacia e dou aulas de Direito. Por este motivo, manter-me atualizado em relação ao surgimento de novas leis é um dever e uma questão de sobrevivência.

PTV: Conte-nos um pouco a história da sua irmã:

IC: Minha irmã nasceu em 1934, em um ambiente de extrema pobreza e escassez. Não teve acesso a informações sobre a importância de cuidar de sua saúde Não falaram para ela que  suas escolhas alimentares fariam diferença em sua vida, não a ensinaram sobre a importância de consumir dois litros de água por dia, e sobre a necessidade da prática de atividade física.

Com consequência disto, chegou ao final de sua vida como uma lâmpada, que se apaga aos poucos, ou uma máquina que deixa de funcionar porque as peças de sua engrenagem encontram-se irremediavelmente desgastadas.

Assim, seus últimos dias, no leito da UTI foram extremamente dolorosos, para a paciente, para a equipe de médicos e enfermeiros e para as pessoas que a amavam. Apenas para exemplificar, falta de hidratação de uma vida inteira tornava extremamente penoso o ato de encontrar uma veia para medicá-la. Nossa sensação de impotência e angústia em situações como esta é simplesmente indescritível!

PTV: Qual foi a importância de sua irmã para sua família, para o processo de luto após o falecimento dela e para suas reflexões sobre o testamento vital?

IC: Nos últimos dias de sua existência nossa irmã já não podia mais falar, mas estava claro que seus olhos imploravam por um fim menos sofrido e pela segurança de que sua partida deste plano a conduziria a um lugar melhor. Porém, por falta de esclarecimento minha irmã nunca dialogara conosco relatando como desejaria ser tratada nesta fase crucial de sua vida.

Assim, na falta da manifestação de sua vontade em contrário, os médicos seguiram os protocolos e, conforme sabemos, isto significa fazer todo o possível e imaginável para prolongar a manutenção dos sinais vitais, com reanimações, respiração mecânica, e medicações que não têm como objetivo reverter o quadro, porque isto seria clinicamente impossível, mas, apenas e tão somente prolongar a vida, se é que podemos dar a isto o nome de vida.

Diante disto, o falecimento de nossa irmã e o processo de luto significaram um caldeirão de emoções contraditórias para a nossa família: misturava-se o alívio por não mais ve-la sofrendo, a saudade pela sua partida, a sensação de dever cumprido por te-la acompanhado de perto em seus últimos dias..

Porém, o maior aprendizado foi a constatação de que nós teríamos o dever de não permitir que esta situação se repetisse conosco no futuro, pois a nossa irmã tinha a justificativa de ignorar a existência do direito ao testamento vital, mas nós não poderíamos utilizar este argumento.

Foi daí que surgiu a decisão de elaborar meu próprio testamento vital, no que tenho sido acompanhado por meus familiares mais próximos, amigos, e alunos.

PTV: Como foi a sua experiência pessoal de fazer um testamento vital sem ter qualquer doença?

IC: A sensação de elaborar meu testamento vital sem ter qualquer doença é “libertadora”, pois implica em colocar em prática dons exclusivamente humanos, que é o livre arbítrio, a consciência de nossa finitude, e a humildade para reconhecer que, não importa a quantidade de bens que acumulemos, os títulos que conquistemos, a fama que angariemos, poderão  chegar os dias em que dependeremos de nossos semelhantes para a satisfação de nossas necessidades mais básicas. Refletir sobre a fragilidade da condição humana muda a relação com nosso corpo, com as pessoas que estão ao nosso redor e com a força superior que acreditamos existir.

PTV: O que você gostaria de dizer para as pessoas que já ouviram falar sobre o tema mas não escrevem seu testamento vital por achar que ainda não precisam?

TC: Pense em quão rápido você chegou à fase adulta. Não parece que foi ontem que você ainda era uma criança e hoje já se tornou um adulto, repleto de atribuições e responsabilidades?

Você está notando a velocidade com que deseja “feliz ano novo” aos amigos e, logo depois, já se vê diante de um novo Natal, e um outro “feliz ano novo”.

Isto significa que, por mais difícil que possamos admitir, o nosso amadurecimento e velhice não estão tão distantes como poderiam parecer.

Agora que a constatação da brevidade da vida lhe pareceu mais óbvia, olhe em seu redor e ouça, sinta e constate a presença de pessoas que você ama e pelas quais seria capaz de atravessar paredes? Qual seria o seu grau de dor íntima, de angústia e de impotência se encontrasse estas pessoas sofrendo, de forma implacável e irrecuperável, no leito frio, asséptico e desolador da UTI de um hospital, ligadas por aparelhos que não têm outro objetivo, a não ser apenas manter seu coração batendo, inerte e inconscientemente?

Se a sua resposta foi um sonoro “não”, proponha-se a  responder outra pergunta? Se apenas ao imaginar este sofrimento você já sente repulsa e dor, porque desejaria este mal às pessoas que ama e a quem quer bem se você fosse este enfermo?

O testamento vital é, portanto, uma prova de amor e um dever, das pessoas que acreditam que é verdadeiro o mandamento de que “devemos  amar ao nosso próximo como a nós mesmos”.

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